Em nome de Qual Deus?

Diante das páginas de textos sagrados, eu me vi, muitas vezes, em conflito. Não por falta de fé, mas por excesso de perguntas. Um dos momentos mais difíceis da minha caminhada espiritual foi encarar narrativas onde a divindade — que deveria ser fonte de amor e justiça — parece ordenar genocídios, como no episódio da queda de Jericó em Josué 6. A celebração da destruição, da morte de crianças, mulheres e outros civis, não ressoa com a ideia de um Deus ético. E por isso, eu digo: não posso aceitar um Deus genocida.

Essa recusa não é um rompimento com o espiritual. Ao contrário, é um compromisso profundo com uma fé coerente com a dignidade humana. Recuso um Deus que pede sangue, que legitima dominação, que consagra a violência como forma de salvação. O filósofo iluminista Voltaire, expoente do Deísmo, já criticava severamente a religião organizada quando ela se tornava instrumento de intolerância e violência. Para ele — e para mim — Deus é inteligência criadora, não comandante de extermínios.

O teólogo Hans Küng afirma: "Não pode haver reconciliação entre fé autêntica e inumanidade." E é com essa convicção que abraço uma espiritualidade racional, onde a razão e a ética não são inimigas da fé, mas suas mais fiéis aliadas. A Bíblia pode conter sabedoria, mas também traz sombras — legados de um tempo em que a religião era usada como selo de poder político e tribalismo moral. Reafirmo: não é Deus quem muda; é nossa compreensão d’Ele que precisa evoluir.

A verdadeira fé não se curva à barbárie. Ela se levanta contra ela. E é nesse espírito que digo “não” a todo discurso religioso que use Deus como justificativa para matar, excluir ou dominar. Nem mesmo metaforicamente tais narrativas são adaptáveis às minhas experiências. Buscar inspiração em episódios de massacre de crianças, mulheres, idosos e outros civis, para confiar em semelhante intervenção Divina naquilo que defino como minhas lutas pessoais, é fazer da metáfora um caminho para o sadismo. Minha fé se baseia no amor que constrói, não na força que destrói. Na compaixão que acolhe, não no dogma que condena.

Se for para crer, que seja num Deus que não me peça para fechar os olhos diante do sofrimento. Que me desafie a construir paz, mesmo quando o mundo clame por guerra.

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