Sobre "demônios"
Falam-me do diabo como se fosse um ser com nomes, rosto e até uns chifres — uma figura que age por trás das tragédias humanas, uma força escondida mas sombra e que devemos combater. Mas, para mim, isso é uma forma de dar um rosto ao mal, quando, na verdade, ele nasce dentro de nós, da nossa própria mente.
Não vejo sentido em acreditar em demônios escondidos ou tentações criadas por seres sobrenaturais. O mal — assim como o bem — mora em nós. E muitas vezes, o que chamamos de “demônios” são partes da nossa mente que não compreendemos bem: impulsos, traumas, desejos que não controlamos. Freud já dizia que “o eu não é senhor em sua própria casa” — e é aí que a coisa se aprofunda. Há forças internas que nos movem sem que tenhamos plena consciência disso. Esses “demônios” são, muitas vezes, nossos conflitos mais profundos que ainda não se tornaram claros para nós, com os quais não sabemos como lidar.
O que chamamos de mal, para mim, é um tipo de desequilíbrio, uma ruptura da harmonia — mas que acontece dentro da própria psique humana. Não precisamos invocar entidades sobrenaturais para explicar isso. Já enfrentamos todos os dias os fantasmas da culpa, do medo, do desejo.
Por isso, não me interessa lutar contra criaturas infernais externas — eu perderia tempo com o imaginário, enquanto os verdadeiros conflitos se desenrolam no palco silencioso da mente. É lá que habitam os desejos não aceitos, as culpas mal resolvidas, os medos que nos controlam sem que percebamos.
Investir energia em combater figuras fantásticas seria desviar o olhar do que realmente importa: entender por que certas ideias nos dominam, por que repetimos comportamentos, por que sabotamos a nós mesmos. Esses são os verdadeiros “demônios” — e enfrentá-los exige coragem, reflexão e, acima de tudo, honestidade consigo mesmo.
Não é um confronto épico entre o bem e o mal no mundo exterior. É um trabalho diário, muitas vezes silencioso, de mergulhar em nós mesmos e reorganizar as forças que nos regem. E nesse processo, talvez a maior vitória seja deixar de temer o que está dentro — e começar a compreender.
Vejo o universo como regido por leis racionais e constantes. Se existe algo que podemos chamar de mal, prefiro encará-lo como desequilíbrio, um afastamento da harmonia natural. Mas não acredito que seja preciso invocar entidades para compreender isso. Não há necessidade de monstros imaginários quando já lidamos com dilemas reais todos os dias.
Meu olhar se volta não para o combate contra criaturas infernais, mas para a melhoria da consciência humana — porque é nela que reside tanto o inferno quanto a possibilidade de superá-lo.