Um Olhar Deísta sobre Josué 6
Na narrativa de Josué 6, vemos a célebre queda das muralhas de Jericó — um episódio emblemático de conquista que marca o início da ocupação israelita em Canaã. Sob ordens divinas, os hebreus cercam a cidade, tocam trombetas, gritam e, com a intervenção de Deus, as muralhas desabam. O que se segue é um ato de extermínio total, em que homens, mulheres, crianças e até animais são mortos. A cena é muitas vezes apresentada em tons de celebração e triunfo.
Já em determinadas músicas contemporâneas, especialmente em contextos bélicos ou nacionalistas, há expressões líricas que exaltam a dominação, a aniquilação do inimigo e a glória da vitória armada. Letras e batidas vibrantes criam uma atmosfera de catarse coletiva — a violência se torna entretenimento, inspiração ou símbolo de identidade, como no caso do corinho evangélico VEM COM JOSUÉ LUTAR EM JERICÓ.
Sob a lente do Deísmo, no entanto, ambas as manifestações encontram limites éticos importantes. O Deísmo, que concebe um Deus como criador do universo, valoriza a razão e a moral natural acima de dogmas ou revelações específicas. Nesse sentido, ações que envolvem violência, genocídio ou supremacia perdem sua justificação divina e precisam ser julgadas por padrões éticos universais, baseados na empatia, na justiça e no respeito à dignidade humana.
Portanto, tanto a narrativa bíblica quanto a música celebratória da violência, quando analisadas criticamente, revelam o risco de se mitificar a brutalidade como algo sagrado, heroico ou desejável. Um olhar Deísta nos convida a reinterpretar essas histórias e expressões culturais: não como modelo de fé ou força, mas como alerta do que acontece quando a ética cede lugar ao poder.
Por que não posso aceitar um Deus genocida?
Ao longo da minha jornada de fé e pensamento, encontrei muitos desafios. Um dos maiores é conciliar a imagem de um Deus amoroso e justo com episódios em textos sagrados onde esse mesmo Deus parece ordenar massacres, como em Josué 6, na conquista de Jericó. O problema não está apenas no relato histórico ou literário, mas na forma como esses episódios foram — e ainda são — interpretados como expressão da vontade divina.
Para mim, um Deus que exige a aniquilação de povos inteiros, que santifica a guerra e transforma o sangue dos inocentes em sacrifício aceitável, não é digno de adoração. Aceitar tal figura divina seria aceitar que a moral se curva ao poder, que o sofrimento dos outros pode ser justificado por promessas espirituais ou recompensas futuras. Isso fere profundamente meu senso de justiça, de empatia e de humanidade.
Acredito num Deus que criou a razão para que possamos questionar, discernir, evoluir. Um Deus que se alegra não com a submissão cega, mas com a busca consciente pelo bem, pela convivência pacífica, pela compaixão inegociável. Rejeitar a ideia de um Deus genocida não é renunciar à fé — é resgatá-la do dogma cruel e reimaginá-la com base na ética, na razão e na dignidade de todos os seres humanos.
Há quem diga que a fé exige obediência, mesmo diante do incompreensível. Mas eu digo que a verdadeira fé exige coragem: a coragem de dizer não ao divino quando ele for invocado como desculpa para o que é vergonhoso.