Uma jornada de transformação

Ainda me lembro vividamente daquele púlpito. Era o meu lugar de paz, o meu palco de fé, o centro da minha vida. Por anos, fui pastor, dedicando cada fibra do meu ser à pregação, ao aconselhamento, à liderança da minha congregação. Acreditava firmemente em cada palavra que saía da minha boca, cada promessa que eu oferecia aos meus irmãos. Mas, por trás do sorriso e da voz firme, um abismo começava a se abrir.

O Declínio Silencioso

A princípio, era um cansaço persistente, uma sombra que me seguia. Depois, veio a tristeza, profunda e inexplicável, que se agarrava a mim. Eu, que sempre fui o pilar de força para tantos, me via desmoronando por dentro. As madrugadas eram longas e povoadas por pensamentos intrusivos, o medo se tornava um companheiro constante. O diagnóstico veio como um soco no estômago: depressão e síndrome do pânico. Como eu, um homem de fé, um pastor, poderia estar enfrentando algo assim? Minha mente se recusava a aceitar. Eu orava, jejuava, buscava respostas nas escrituras, mas o alívio não vinha. Pelo contrário, a pressão só aumentava. A ideia de ter que me apresentar forte e inabalável, enquanto meu mundo ruía, era insuportável. Cada culto, cada sermão, tornava-se uma tortura. A voz que antes proclamava esperança, agora ecoava vazia em meus próprios ouvidos. 

A Psicanálise e a Nova Jornada de Fé

Foi então que procurei a psicanálise. Sentar naquele divã, falar sobre meus medos mais profundos, minhas dúvidas e minhas fragilidades, foi um passo assustador, mas libertador. Com o tempo, comecei a desvendar as camadas do meu próprio ser. Entendi que a fé não me tornava imune à dor humana e que buscar ajuda profissional não era um sinal de fraqueza, mas de coragem. A psicanálise me ajudou a processar traumas, a lidar com as expectativas irrealistas que eu impunha a mim mesmo e a enxergar a depressão e a síndrome do pânico como condições reais, não como falhas de caráter ou de fé. 

Após esse período de profunda imersão em mim mesmo e no meu passado, comecei uma nova jornada de fé. Não mais limitada por dogmas, mas impulsionada pela busca sincera por compreensão. Comecei a ler, a pesquisar, a questionar. Passei a ler, além das escrituras, filosofia, ciência, história. Eu queria desvendar os mistérios da existência sem as lentes da doutrina que me haviam sido impostas. 

A Despedida do Ministério e o Renascer Deísta

Mesmo com o apoio terapêutico, a decisão de deixar o ministério foi inevitável. A culpa me consumia. Sentia que estava falhando com Deus, com minha família, com minha congregação. Fui inundado por um vazio que nunca havia experimentado. Minha identidade estava intrinsecamente ligada ao meu papel como pastor. Sem ele, quem eu era? Amigos se afastaram, alguns me julgavam, outros simplesmente não sabiam como lidar com a situação e alguns poucos contados a dedo, demonstraram empatia. Foi um período de isolamento e introspecção forçada. Gradualmente, uma nova perspectiva começou a surgir. Fora das paredes do templo, comecei a ver a grandeza do universo, a complexidade da natureza, a ordem intrínseca de tudo, sem a necessidade de um Deus interventor, que exige adoração e faz favores em troca. 

Hoje, sou um deísta. Acredito em um Criador, uma inteligência suprema que concebeu o universo e suas leis, mas que não interfere nos assuntos humanos. A vida, com suas alegrias e dores, seus desafios e suas belezas, é uma jornada que nos cabe trilhar, aprendendo e evoluindo, sem a expectativa de milagres ou intervenções divinas.Essa jornada me trouxe uma paz que nunca encontrei no púlpito. Não há mais a pressão de ter todas as respostas, de ser infalível. Há apenas a admiração pela magnificência da criação e a humildade de reconhecer que somos parte de algo muito maior. 

Minha fé não é mais uma imposição, mas uma convicção pessoal, forjada na dor, na busca incansável por compreensão e no apoio de um processo terapêutico profundo. 

Não me arrependo de ter sido pastor; foi uma parte importante da minha história. Mas sou grato pela crise que me levou a essa nova compreensão. Ela me quebrou, sim, mas também me reconstruiu em algo mais autêntico e verdadeiro. E, paradoxalmente, a depressão e a síndrome do pânico, que pareciam o fim de tudo, foram o catalisador para o meu renascimento espiritual e pessoal.

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